segunda-feira, 8 de março de 2010

Um Dia Quase Normal

Hoje foi um dia quase normal.
Acredito que tenha sido um dia quase normal para quase todas as mulheres.
Quase normal porque, com ou sem restrições ao caráter comercial da data, temos que encarar o fato: é o “Dia Internacional da Mulher”.
Quase todas as mulheres porque não nos esquecemos das barbáries, mutilações, mortes por apedrejamento de seres humanos que ousaram nascer no feminino e, pior, optaram por viver o feminino.
Quase, porque não é sempre e, muito menos todos os dias que recebemos “parabéns” do porteiro, do caixa da padaria, do atendente do banco, do rapaz do cartório, do segurança da escola e a lista vai longe.
Também não é sempre que nossa caixa de correspondência fica tão cheia de lindos cartões – com a devida propaganda, é claro – de lojas, prestadoras de serviços, empresas de telefonia e, a lista, aqui também, vai longe.
Também não é sempre que recebemos uma rosa no posto de gasolina, um brinde especial na farmácia, sorrisos e gentilezas especiais de pessoas com quem temos contato quase diário.
E isso é bom, ou melhor, é muito bom. Não, é mais, é ótimo.
É ótimo receber atenção, gentileza, sorrisos; a sensação é maravilhosa e fica melhor ainda quando retribuímos ou simplesmente agradecemos com um mais simples ainda, porém mais autêntico sorriso.
O mesmo sorriso com que todos os dias cumprimentamos, agradecemos, nos relacionamos, enfim, com as pessoas, com o mundo.
Não, nossa vida não é perfeita, nosso humor nem sempre é bom, as coisas não são sempre como gostaríamos que fossem e lutamos muito para chegar onde estamos agora. Mas chegamos.
Então, se nesse momento, pouco podemos fazer por aquela parcela de mulheres que não podem viver em paz sua feminilidade, sejamos, plena e descaradamente, mulheres todos os dias.
Inclusive hoje.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Aprendizado

Acredito que para quem chega ao mundo sem receber instruções, sem manual, mapa, fórmula ou lâmpada mágica, até que nos saímos bem.

Aos poucos, talvez por instinto e seguindo uma lógica própria, que de lógico nada tem, vamos elaborando nossa fórmula.

Num traçado intuitivo fazemos o mapa e, a lâmpada mágica ficamos a esperar, pois já disseram que não se pode ter tudo.

Será que não? Em alguns momentos tenho minhas dúvidas; mas só em alguns momentos.

O manual vai sendo redigido intuitivamente e com a ajuda de uma dose de bom senso.

Para isso pesamos nossos sonhos, ambições, conquistas e valores. E esses, os valores, com alguma habilidade, minimizamos e conseguimos até neutralizar a insistência daqueles que tentam violá-los.

Desenvolvemos também habilidade para saber argumentar quando da nossa boca está pronto para sair um palavrão; calar quando muitas vezes queremos gritar e lutar. Conseguimos até um autocontrole que não nos imaginávamos capazes.

E, mesmo otimistas na maior parte do tempo, às vezes, quando nos gritam verdades que não são nossas e nas quais não acreditamos, desanimamos.

E piora, pois quando ignoramos essas verdades gritadas, o silêncio alheio não hesita e nos atinge com a rejeição, deslealdade, indiferença. E dói. Dói com uma intensidade que acreditamos não suportar.

Então, resta-nos o refúgio do nosso próprio silêncio abafando vozes que não queremos e não merecem ser ouvidas.

E, em meio à mágoa e à dor, passamos a delirar com um mundo onde fosse possível ir até a farmácia da esquina e comprar autoestima em embalagens de 50 ou 100 miligramas.

Chegamos até a ouvir a voz do vendedor oferecendo uma caixa com vinte comprimidos de amor próprio com desconto para pagamento à vista.

Concordo, não é sonho, mas delírio.

Então, descobrimos também, que o paraíso não está logo ali, mas se estivesse não acredito que seria para lá padecer.

Mas, bendito “mas”, aos poucos, vencemos, pois percebemos que dói até o momento em que, distraídos da dor, passamos a ver além do silêncio.

Vemos que gritos e silêncio arrogante são argumentos dos ignorantes, que espezinham valores alheios pela divergência que fazem aos seus interesses.

São confrontos inúteis, situações que não nos trazem nada além do desgaste, rugas e cabelos brancos. Então damos as costas e fugimos.

Simples assim; fugimos do que não merece o nosso tempo que, convenhamos, é precioso. Como nossos valores.

terça-feira, 2 de março de 2010

Ela Queria Um Conto de Fadas

Ela queria um conto de fadas, mas nenhuma apareceu e da vida ganhou uma história que nem sabe se um conto daria.
Uma vida ansiosa por fazer escolhas certas, ser a pessoa certa cegou-a por muito tempo, impedindo que visse os sinais cada dia mais evidentes do fim que se aproximava.
Há muito não se sentia em casa naquele lugar, sabia que ali nunca mais seria seu lar. Dava-se conta que, por muito tempo, sua única certeza era o desejo de estar longe dali, estar só.
Ansiava por isso agora, para poder pensar sem ser observada, cada mínima reação analisada, como uma cobaia de um novo experimento.
Ela compreendia que seu silêncio, seu equilíbrio, aparente ou não, assustava-as mais ainda. Elas estavam ali porque temiam uma crise de choro, de histeria, caso ela ficasse sozinha.
Com esse pensamento foi tomada por uma vontade insana de rir, rir até chorar, finalmente, não pela dor, mas como uma conseqüência do riso.
Riso ao imaginar o que aconteceria se pudessem escutar seus pensamentos naquele exato momento. Conseguiu imaginar, como se já estivesse acontecendo, os olhares furtivos, sinais mal dissimulados, que traduziam a aflição, o não saber o que dizer
Uma onda de gratidão e afeto atingiu-a ao perceber o quanto estava sendo difícil para as duas amigas, mas não conseguia evitar. Não queria falar, chorar. Sentia-se estranhamente calma diante do estranho vazio em seu peito.
Agora tomava consciência de que sabia que a distância havia chegado há muito tempo levando-os para a solidão que, até aquele momento, parecia eterna.
Até o instante do desfecho triste e silencioso, mais triste pelo pesado silêncio do que pela partida; o que surgira como insuportável sofrimento era, na verdade, a libertação.
Não mais olhar nos olhos de quem há muito estava distante; não mais responder a perguntas que sequer queria ouvir e, finalmente, poder olhar os próprios olhos e reconhecer-se, finalmente reencontrar-se.
Lembrava com estranheza, agora, sua certeza até horas atrás de que não haveria consolo, terra firme, porto seguro quando o sofrimento e a dor tomariam conta de cada mínima partícula de seu corpo, de cada pedaço de seu mundo, daquilo que um dia fora sua vida.
Ficara aterrorizada pelo fantasma da dor e agora a sua ausência era tão natural quanto bem vinda.
Olhou finalmente para as amigas pensando numa maneira de explicar. Poderia começar dizendo que não teve o conto de fadas que sempre quis, mas, também não teve a bruxa que, na maioria deles, também existe.
Que estava quase feliz, pois se não teve o conto de fadas também não foi obrigada a encarar a bruxa e não corria mais o risco de que a amargura a transformasse em uma.
Elas entenderiam, disso tinha certeza.