domingo, 8 de agosto de 2010

A Senhora, a Mulher e a Criança

A mulher preparava o café e ao lado dela, na cozinha, a menina olhava a velha senhora sentada na poltrona da sala olhando a televisão. Olhava sem ver, a menina o sabia, enquanto observava o rosto marcado, de expressão carregada.
Não eram as rugas, profundas e semelhantes a sulcos irregulares feitos na terra por um arado conduzido sem habilidade que tornavam a expressão amarga de descrença e desesperança. Não, ela sempre estivera lá.
A criança lembrava-se bem do mesmo rosto quarenta anos antes, sem os sulcos, mas estampando a tão familiar quanto desagradável expressão.
Lembrava-se e sentia ainda aquela tristeza, aquele aperto no coração que a convivência com a velha senhora fazia ser tão profundos. E junto vinha a angústia, a culpa, pois a velha senhora, sua mãe, sempre tratara bem a menina, afinal atendia a todas as suas necessidades enquanto ensinava-a que dinheiro não caía do céu, que a vida era dura e que algumas pessoas nasciam com sorte, outras não. Ponto.
A menina desviava os olhos para a mulher que estava agora terminando o café e preparando a mesa para o lanche da velha senhora na esperança de que ela olhasse de volta, esboçasse um gesto, um carinho e, quem sabe, com sorte, desmentisse toda a tristeza que apertava-lhe o peito.
Observava os gestos mecânicos da mulher na execução de uma tarefa diária que de tantas vezes repetidas não demandavam qualquer raciocínio.
O rosto da mulher trazia a expressão de todos os sentimentos que oprimiam a menina há tanto tempo, só não a esperança de ser vista, cuidada, acarinhada que ainda se veria caso se olhasse nos olhos da criança.
A menina queria chamar a atenção da mulher para si; quem sabe quebrando a louça, puxando a toalha que cobria a mesa, derrubando o café. Qualquer coisa que tirasse a mulher daquela letargia, que a fizesse desmentir tudo aquilo que a velha senhora repetia incansavelmente.
A menina observava a senhora caminhando com dificuldade até a mesa, servindo-se de café e bolo e, antes mesmo de provar, reprovando o sabor e lamentando que nenhuma das filhas havia aprendido a cozinhar como ela.
Seria uma cena conhecida, que se repetia todos os dias, se naquele momento a mulher, ignorando a velha senhora, não tivesse olhado diretamente nos olhos da menina.
As lágrimas desciam pelo rosto das duas em perfeita sincronia e, sem qualquer movimento, a mulher abraçou a criança e embalando-a sussurrava em seu ouvido que as verdades da velha senhora não seriam delas e, enquanto fundiam-se, mulher e criança, esta sentia desaparecer de seu peito toda a angústia e medo do futuro.
Ainda imóvel e confortando a criança a mulher olhava a velha senhora, sua mãe, com um misto de amor, ternura e pena.

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